“A roupa é uma
extensão daquilo que somos, serve como montra da nossa identidade e deve ser
usada assim.”
Inês Torcato é designer de
moda, tem 28 anos e realizou o curso no ESAD. A primeira coleção foi apresentada
em 2014, na plataforma de jovens criadores Bloom do Portugal Fashion.
Em 2015, teve uma dupla
atribuição dos prémios “Melhor Coleção” e “Melhor Par de Calçado Feminino” no
concurso AcrobActic com a sua coleção “Ícaro”.
A paixão pela moda como
surgiu?
A paixão pela moda surgiu muito por acaso. Estudei
audiovisual – fotografia, cinema e multimédia – na Soares dos Reis e a seguir
Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes. No fim de três anos lá, senti que
não era exatamente aquilo que procurava e estive parada durante meio ano. Nesse
período pensava muito na área da fotografia. Falei com o Frederico Martins,
fotógrafo de moda, e acabei por ficar no estúdio dele a dar uma mãozinha, numa
espécie de estágio não oficial, onde ajudava em tudo o que era preciso. Foi lá,
ao fim de uns meses a acompanhar o trabalho das equipas de fotografia, styling,
edição, etc. que me surgiu o interesse pelo design de moda. Passado um mês
estava a estudar design de moda.
O local onde nasceu
influenciou na sua admiração por esta área?
O trabalho do meu pai sempre esteve presente na minha vida.
Mesmo quando não pensava nesta área como a minha, ajudava o meu pai naquilo que
era preciso de logística e bastidores de desfiles. Era uma coisa muito normal,
e era o trabalho dele. Nunca o vi como meu, pelo menos de forma consciente, até
ter ido buscar conhecimentos a outras pessoas e ter visto mais do que isso.
Hoje admito que ter vivido desde sempre neste mundo me tenha ajudado a compreender
melhor e a pôr em perspetiva algumas situações.
Como descreve a experiência
que teve ao estudar Design de Moda na ESAD?
A experiência na ESAD foi muito boa. Entrei com pedido de
transferência e muitas equivalências de cadeiras e, portanto, comecei a meio do
segundo ano. Fui muito bem recebida, os professores compreenderam que eu vinha
de um background de Belas-Artes e teria alguma vantagem nas áreas de desenho, mas
não tinha bases técnicas que são necessárias ao Design de Moda e deram-me esse
apoio extra.
Considera que o facto de
ter estudado na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto foi
preponderante para a linguagem estética e experimental do seu trabalho?
Tenho a certeza que sim. Apesar de não ter terminado o
curso, as Belas-Artes trazem uma bagagem criativa grande, e muita experiência
de desenho. A forma de trabalhar conceitos, e como os aplicar ao design de moda
é uma das coisas que trouxe desses anos lá. Aliar toda a linguagem conceptual à
linguagem estética com fundamento é uma parte muito importante no design.
Qual foi a sensação que
teve ao criar a sua primeira coleção?
Foi de muita responsabilidade. Refiro-me aqui à minha
primeira coleção grande, que apresentei em desfile no espaço Bloom. Antes disso
tinha feito pequenas coleções para concursos, o último deles o do Bloom do
Portugal Fashion. O primeiro desfile foi feito com muita felicidade e muita
vontade de agarrar a oportunidade, mas ao mesmo tempo de muita responsabilidade
porque sabia que a expetativa era grande.
Relativamente ao seu
percurso e aos prémios que recebeu, o que significou a atribuição pela segunda
vez, do prémio “Nespresso Designers Contest”, em 2013?
O prémio Nespresso Designers Contest em 2013 foi muito
importante, foi o primeiro concurso que fiz, e ganhei logo um prémio. Para mim,
que ainda estava no final do segundo ano de curso foi quase uma validação.
Comecei a estudar Design de Moda meio ano antes, e esse prémio foi quase uma
garantia de que estava no caminho certo.
No ano seguinte, venceu o
primeiro prémio do concurso “L´Aiguille D´or” pelo Atelier des Createurs, qual
foi a sua reação?
O concurso do Atelier des Createurs foi, para mim, um dos
mais importantes. Foi uma aprendizagem muito grande em termos de design e
criação de coleções, e também na própria apresentação de projetos na fase final
do concurso. Nunca tinha apresentado um projeto perante um júri de pessoas da
área, e apesar de ter sido assustador no início, cresci muito com essa
experiência.
Em 2014, expôs pela primeira
vez uma coleção no Espaço Bloom do Portugal Fashion, quais foram as suas
inspirações?
Nessa edição do espaço Bloom do Portugal Fashion expus a coleção
55.40.20, correspondente ao concurso do Atelier des Createurs. Esse concurso
pedia uma coleção ligada à alfaiataria para um homem atual e urbano. A minha
base foi o homem de negócios que hoje em dia viaja em low cost e precisa de
vestuário adequado ao trabalho, mas não consegue transportar vários fatos numa
mala de cabine. Criei uma coleção de cinco fatos clássicos com materiais que
recuperam facilmente de rugas e vincos, com interiores impermeáveis e uma estrutura
de tuneis, fitas, ajustadores e fivelas que permitem que as peças sejam
dobradas do avesso e se encaixem entre si. No final podemos enrolar as peças,
os bolsos tornam-se exteriores e o conjunto dos coordenados forma uma “mala”
que respeita as medidas do compartimento de cabide – 55x40x20.
Mais tarde, em 2015, teve
uma dupla atribuição dos prémios “Melhor Coleção” e “Melhor Par de Calçado
Feminino” no concurso AcrobActic com a sua coleção “Ícaro”, o que isso permitiu
posteriormente?
O concurso AcrobActic era um dos concursos com mais impacto
em Portugal, na altura. Foi muito importante ter participado e ter conseguido
ganhar esses prémios lá. No seguimento fui convidada pela designer Anabela
Baldaque para expor a coleção na loja/galeria dela em Lisboa. Essa oportunidade
marcou a minha vida profissional, porque foi a primeira vez que consegui chegar
a um público mais alargado.
Após ter apresentado a sua
primeira coleção no Portugal Fashion, em 2016 fica classificada em 2º lugar no
concurso Bloom e vence também o prémio Vogue, atribuído pelo público no Porto
Fashion Film Festival com o filme “Icarus”, o que representou para si?
Esse foi o momento em que a minha carreira se impulsionou.
Esses dois prémios representaram o fim da minha fase de concorrer a concursos
em Portugal, (concorri a quase todos!) e o início da minha vida profissional
onde tentei começar a construir uma marca em nome próprio. O concurso Bloom
trouxe-me a oportunidade de apresentar regularmente as minhas coleções no
Portugal Fashion, no espaço Bloom durante três edições e a seguir na plataforma
principal até hoje.
Qual é a fonte de
inspiração principal para a criação das suas peças?
A base do meu trabalho tem duas vertentes. Numa vertente
estética e formal gosto de trabalhar o vestuário clássico e transformá-lo,
adaptá-lo e desconstruí-lo. Posso até liga-lo a uma linguagem mais streetwear
ou sportswear mas a base é sempre a alfaiataria, camisaria, etc. Numa vertente
conceptual trabalho conceitos abstratos que transporto de variadas formas para
as peças. Trabalho a vida humana, as relações pessoais. Mais concretamente os
direitos humanos, a igualdade e o amor pelo próximo e pelo local onde vivemos,
pelo nosso planeta. Represento este conceito com coleções sem-género, peças que
possam ser vestidas por qualquer pessoa, independentemente do género. Esta
última coleção que apresentei em Outubro foi 100% sem género e quase toda feita
com materiais reciclados, naturais, orgânicos ou vegetais.
Dois exemplos de peças que
adorou criar?
Vou alargar estas duas peças a pequenos conjuntos. Adorei
criar a coleção de três coordenados que apresentei no concurso AcrobActic. Para
além do trabalho de modelagem complexo onde as peças tinham várias camadas e
sobreposições, cada uma dessas camadas tinha no interior aplicações que foram
todas cosidas à mão por mim. Pérolas, penas e pedras. Se tiver que escolher uma
peça talvez o vestido dessa coleção porque esses elementos estão todos
presentes na mesma peça. Depois escolho o casaco do concurso Nespresso Designer’s
Contest pelo mesmo motivo, tinha muito trabalho à mão feito por mim. A peça foi
moldada a quente com grãos de café que estavam no interior e criavam relevos
orgânicos nas mangas, frentes e costas.
Que dica de moda julga
fundamental?
Na minha opinião é fundamental sentirmo-nos bem com o que
vestimos. A roupa é uma extensão daquilo que somos, serve como montra da nossa
identidade e deve ser usada assim. As tendências só são boas quando nos
identificamos com elas.
De acordo com o seu ponto
de vista, qual o papel que a moda possui atualmente?
A moda tem um papel social, político e de consciencialização
muito forte. Dos ramos artísticos a moda é um dos que tem maior visibilidade e
que atinge um público mais abrangente. Isto devia ser usado como forma de educação
de massas.
As suas criações, de um
modo geral, são mais direcionadas para pessoas com um determinado estilo?
Eu penso que não. Claro que aquilo que mostro em desfile é
mais específico e construído de forma a ter determinada imagem, até para
conseguir transmitir a mensagem da forma que quero. Mas desconstruindo os
looks, as mesmas peças de forma isolada podem ser usadas por qualquer pessoa e
adaptadas a qualquer guarda-roupa.
Quais as peças essenciais
na coleção da estação outono/inverno 2019?
As peças essenciais são aquelas com que nos sentirmos
melhor. As essenciais para mim podem não o ser para outra pessoa. Tendo isto em
conta, para mim os essenciais são as jardineiras, blazers, todas as peças
brancas com rendas em cru e saias e vestidos para homem.
Contém algum projeto em
mente para um futuro próximo?
Num futuro próximo tenho vários clientes de peças por medida
a quem tenho que dar resposta! Entretanto tenho alguns que ainda não posso
revelar!

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Por: Luana Teixeira
































