21 novembro, 2019

Entrevista à designer de moda Inês Torcato


A roupa é uma extensão daquilo que somos, serve como montra da nossa identidade e deve ser usada assim.”


Inês Torcato é designer de moda, tem 28 anos e realizou o curso no ESAD. A primeira coleção foi apresentada em 2014, na plataforma de jovens criadores Bloom do Portugal Fashion.
Em 2015, teve uma dupla atribuição dos prémios “Melhor Coleção” e “Melhor Par de Calçado Feminino” no concurso AcrobActic com a sua coleção “Ícaro”.

A paixão pela moda como surgiu?
A paixão pela moda surgiu muito por acaso. Estudei audiovisual – fotografia, cinema e multimédia – na Soares dos Reis e a seguir Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes. No fim de três anos lá, senti que não era exatamente aquilo que procurava e estive parada durante meio ano. Nesse período pensava muito na área da fotografia. Falei com o Frederico Martins, fotógrafo de moda, e acabei por ficar no estúdio dele a dar uma mãozinha, numa espécie de estágio não oficial, onde ajudava em tudo o que era preciso. Foi lá, ao fim de uns meses a acompanhar o trabalho das equipas de fotografia, styling, edição, etc. que me surgiu o interesse pelo design de moda. Passado um mês estava a estudar design de moda.
O local onde nasceu influenciou na sua admiração por esta área?
O trabalho do meu pai sempre esteve presente na minha vida. Mesmo quando não pensava nesta área como a minha, ajudava o meu pai naquilo que era preciso de logística e bastidores de desfiles. Era uma coisa muito normal, e era o trabalho dele. Nunca o vi como meu, pelo menos de forma consciente, até ter ido buscar conhecimentos a outras pessoas e ter visto mais do que isso. Hoje admito que ter vivido desde sempre neste mundo me tenha ajudado a compreender melhor e a pôr em perspetiva algumas situações.
Como descreve a experiência que teve ao estudar Design de Moda na ESAD?
A experiência na ESAD foi muito boa. Entrei com pedido de transferência e muitas equivalências de cadeiras e, portanto, comecei a meio do segundo ano. Fui muito bem recebida, os professores compreenderam que eu vinha de um background de Belas-Artes e teria alguma vantagem nas áreas de desenho, mas não tinha bases técnicas que são necessárias ao Design de Moda e deram-me esse apoio extra.
Considera que o facto de ter estudado na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto foi preponderante para a linguagem estética e experimental do seu trabalho?
Tenho a certeza que sim. Apesar de não ter terminado o curso, as Belas-Artes trazem uma bagagem criativa grande, e muita experiência de desenho. A forma de trabalhar conceitos, e como os aplicar ao design de moda é uma das coisas que trouxe desses anos lá. Aliar toda a linguagem conceptual à linguagem estética com fundamento é uma parte muito importante no design.
Qual foi a sensação que teve ao criar a sua primeira coleção?
Foi de muita responsabilidade. Refiro-me aqui à minha primeira coleção grande, que apresentei em desfile no espaço Bloom. Antes disso tinha feito pequenas coleções para concursos, o último deles o do Bloom do Portugal Fashion. O primeiro desfile foi feito com muita felicidade e muita vontade de agarrar a oportunidade, mas ao mesmo tempo de muita responsabilidade porque sabia que a expetativa era grande.
Relativamente ao seu percurso e aos prémios que recebeu, o que significou a atribuição pela segunda vez, do prémio “Nespresso Designers Contest”, em 2013?
O prémio Nespresso Designers Contest em 2013 foi muito importante, foi o primeiro concurso que fiz, e ganhei logo um prémio. Para mim, que ainda estava no final do segundo ano de curso foi quase uma validação. Comecei a estudar Design de Moda meio ano antes, e esse prémio foi quase uma garantia de que estava no caminho certo.
No ano seguinte, venceu o primeiro prémio do concurso “L´Aiguille D´or” pelo Atelier des Createurs, qual foi a sua reação?
O concurso do Atelier des Createurs foi, para mim, um dos mais importantes. Foi uma aprendizagem muito grande em termos de design e criação de coleções, e também na própria apresentação de projetos na fase final do concurso. Nunca tinha apresentado um projeto perante um júri de pessoas da área, e apesar de ter sido assustador no início, cresci muito com essa experiência.
Em 2014, expôs pela primeira vez uma coleção no Espaço Bloom do Portugal Fashion, quais foram as suas inspirações?

Nessa edição do espaço Bloom do Portugal Fashion expus a coleção 55.40.20, correspondente ao concurso do Atelier des Createurs. Esse concurso pedia uma coleção ligada à alfaiataria para um homem atual e urbano. A minha base foi o homem de negócios que hoje em dia viaja em low cost e precisa de vestuário adequado ao trabalho, mas não consegue transportar vários fatos numa mala de cabine. Criei uma coleção de cinco fatos clássicos com materiais que recuperam facilmente de rugas e vincos, com interiores impermeáveis e uma estrutura de tuneis, fitas, ajustadores e fivelas que permitem que as peças sejam dobradas do avesso e se encaixem entre si. No final podemos enrolar as peças, os bolsos tornam-se exteriores e o conjunto dos coordenados forma uma “mala” que respeita as medidas do compartimento de cabide – 55x40x20.





Mais tarde, em 2015, teve uma dupla atribuição dos prémios “Melhor Coleção” e “Melhor Par de Calçado Feminino” no concurso AcrobActic com a sua coleção “Ícaro”, o que isso permitiu posteriormente?
O concurso AcrobActic era um dos concursos com mais impacto em Portugal, na altura. Foi muito importante ter participado e ter conseguido ganhar esses prémios lá. No seguimento fui convidada pela designer Anabela Baldaque para expor a coleção na loja/galeria dela em Lisboa. Essa oportunidade marcou a minha vida profissional, porque foi a primeira vez que consegui chegar a um público mais alargado.
Após ter apresentado a sua primeira coleção no Portugal Fashion, em 2016 fica classificada em 2º lugar no concurso Bloom e vence também o prémio Vogue, atribuído pelo público no Porto Fashion Film Festival com o filme “Icarus”, o que representou para si?
Esse foi o momento em que a minha carreira se impulsionou. Esses dois prémios representaram o fim da minha fase de concorrer a concursos em Portugal, (concorri a quase todos!) e o início da minha vida profissional onde tentei começar a construir uma marca em nome próprio. O concurso Bloom trouxe-me a oportunidade de apresentar regularmente as minhas coleções no Portugal Fashion, no espaço Bloom durante três edições e a seguir na plataforma principal até hoje.
Qual é a fonte de inspiração principal para a criação das suas peças?
A base do meu trabalho tem duas vertentes. Numa vertente estética e formal gosto de trabalhar o vestuário clássico e transformá-lo, adaptá-lo e desconstruí-lo. Posso até liga-lo a uma linguagem mais streetwear ou sportswear mas a base é sempre a alfaiataria, camisaria, etc. Numa vertente conceptual trabalho conceitos abstratos que transporto de variadas formas para as peças. Trabalho a vida humana, as relações pessoais. Mais concretamente os direitos humanos, a igualdade e o amor pelo próximo e pelo local onde vivemos, pelo nosso planeta. Represento este conceito com coleções sem-género, peças que possam ser vestidas por qualquer pessoa, independentemente do género. Esta última coleção que apresentei em Outubro foi 100% sem género e quase toda feita com materiais reciclados, naturais, orgânicos ou vegetais.

Dois exemplos de peças que adorou criar?
Vou alargar estas duas peças a pequenos conjuntos. Adorei criar a coleção de três coordenados que apresentei no concurso AcrobActic. Para além do trabalho de modelagem complexo onde as peças tinham várias camadas e sobreposições, cada uma dessas camadas tinha no interior aplicações que foram todas cosidas à mão por mim. Pérolas, penas e pedras. Se tiver que escolher uma peça talvez o vestido dessa coleção porque esses elementos estão todos presentes na mesma peça. Depois escolho o casaco do concurso Nespresso Designer’s Contest pelo mesmo motivo, tinha muito trabalho à mão feito por mim. A peça foi moldada a quente com grãos de café que estavam no interior e criavam relevos orgânicos nas mangas, frentes e costas.

Que dica de moda julga fundamental?
Na minha opinião é fundamental sentirmo-nos bem com o que vestimos. A roupa é uma extensão daquilo que somos, serve como montra da nossa identidade e deve ser usada assim. As tendências só são boas quando nos identificamos com elas.
De acordo com o seu ponto de vista, qual o papel que a moda possui atualmente?
A moda tem um papel social, político e de consciencialização muito forte. Dos ramos artísticos a moda é um dos que tem maior visibilidade e que atinge um público mais abrangente. Isto devia ser usado como forma de educação de massas.
As suas criações, de um modo geral, são mais direcionadas para pessoas com um determinado estilo?
Eu penso que não. Claro que aquilo que mostro em desfile é mais específico e construído de forma a ter determinada imagem, até para conseguir transmitir a mensagem da forma que quero. Mas desconstruindo os looks, as mesmas peças de forma isolada podem ser usadas por qualquer pessoa e adaptadas a qualquer guarda-roupa.
Quais as peças essenciais na coleção da estação outono/inverno 2019?
As peças essenciais são aquelas com que nos sentirmos melhor. As essenciais para mim podem não o ser para outra pessoa. Tendo isto em conta, para mim os essenciais são as jardineiras, blazers, todas as peças brancas com rendas em cru e saias e vestidos para homem.

Contém algum projeto em mente para um futuro próximo?
Num futuro próximo tenho vários clientes de peças por medida a quem tenho que dar resposta! Entretanto tenho alguns que ainda não posso revelar!



Por: Luana Teixeira 


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